O Futuro do Comércio Internacional -
de Marrakesh a Cingapura

Jacques Marcovitch (coordenador)

Desde a celebração dos acordos de Marrakesh o mundo testemunha uma crescente liberalização nos fluxos de comércio e investimentos. Enquanto o PIB mundial cresce, em média, 1,7% ao ano, o comércio internacional tem aumentado a uma taxa superior a 5% no mesmo período. A participação do Brasil no comércio mundial, apesar de modesta, tem despertado o interesse das empresas globais. O mercado interno testemunha o acirramento da competição internacional, desafiando o setor produtivo instalado no Brasil.

O perfil multiétnico da sociedade brasileira facilita o acompanhamento dos processos de integração. De outro lado, a extensão e generosidade do território, o rápido crescimento populacional, o despovoamento de parte das fronteiras e das costas marítimas levam o Brasil a se voltar para si mesmo. A modesta participação do comércio exterior no PIB brasileiro é mais um indicador dessa introspecção, em desfavor das relações internacionais.

Esta situação tende a mudar na medida em que se intensificam os fluxos de comércio e de investimentos. Desde o término da Rodada Uruguai, e a consolidação do Mercosul, participando com prudência da integração comercial das Américas, o Brasil absorve os impactos da nova realidade mundial. Simultaneamente, ocorrem processos de integração e de fragmentação. A elevação dos fluxos do comércio internacional é acompanhada por preocupantes índices de desemprego, ampliando os contingentes de excluídos. Na grande maioria dos países, profundas mudanças estruturais são provocadas pelo impacto das novas tecnologias, pela elevação da produtividade, pela concentração da renda e pela redução do ritmo do desenvolvimento econômico.

A competitividade estrutural do Brasil depende de um monitoramento permanente da realidade mundial e das contradições pertinentes à sua dinâmica. O discurso pró-liberalização de alguns países e suas práticas protecionistas para setores econômicos escolhidos são exemplos desta complexa realidade mundial em mutação.

A abertura ocorrida no Brasil, na década de 70, permitiu importantes taxas de crescimento. Deixou, no entanto, o amargo sabor da dívida externa e da inflação descontrolada. A década de 80 foi marcada pelo isolamento da comunidade internacional. Com uma década inteira dedicada aos ajustes políticos e econômicos, o Brasil reassume, agora, suas responsabilidades na América Latina. Espera-se, desta vez, um processo sustentado que evite bolhas de crescimento, tão presentes em nosso passado recente. Bolhas que aguçaram a dualidade sócio-econômica, em vez de reduzí-la.

Como compreender a reunião de Cingapura, se pouco sabemos dos acordos de Marrakesh? O contexto político nacional de 1994 inibiu uma maior participação da sociedade nos acordos firmados. Foram os empresários e trabalhadores que mais se ressentiram das conseqüências do desconhecimento. A redução de barreiras alfandegárias, sem a adoção de salvaguardas e de direitos compensatórios, provocou uma rápida transformação do perfil empresarial brasileiro. A concentração, em 1995, de dois terços dos investimentos diretos em dez países, revela a lógica das empresas globais e sua relação com os mercados de países menos desenvolvidos. A falta de práticas na aplicação da legislação de anti-dumping confirma a importância de novas competências. Estratégia Empresarial, Economia e Política Internacional, Direito Comercial Internacional, são competências existentes no Brasil, mas pouco disseminada., nos âmbitos acadêmico, empresarial e governamental.

Uma diplomacia competente é, portanto, uma condição necessária, mas insuficiente para uma ofensiva comercial. A mobilização do sistema educacional, das lideranças empresariais, das entidades sindicais e dos atores sociais, faz-se necessária para conciliar a defesa de interesses nacionais com uma política de comércio externo. Foi o que se realizou no Encontro que está na origem desta obra.

É importante pontuar os papéis destes setores da sociedade civil no quadro em referência:

  • a preparação dos jovens para um mundo mais integrado de educação exige maior interesse pela história da humanidade e pelas forças que marcam sua evolução. Somente com um melhor conhecimento da identidade cultural do próprio país é possível compreender as outras nações e seus interesses;
  • cabe às empresas incorporar, na sua visão de futuro, a compreensão dos fluxos internacionais que condicionarão sua rentabilidade e lucratividade;
  • no âmbito das cadeias produtivas, cabe constituir unidades para análise da conjuntura internacional. Estas unidades poderão assegurar a compreensão da evolução dos fatores mundiais de competitividade e seu impacto em cada uma delas;
  • no âmbito governamental, cabe preparar e valorizar os recursos humanos, na esfera da União e dos estados. Recursos humanos para estruturar e operar um espaço político responsável pelo delineamento e implantação de políticas públicas, que elevem a competitividade estrutural do Brasil e assegurem sua presença no comércio internacional;
  • cabe igualmente respeitar as tradições culturais das regiões brasileiras, reduzir a dualidade sócio-econômica e assegurar a integração da sociedade para uma presença mais coerente do país no cenário mundial.

Enquanto o Brasil discute a relação entre taxa de juro, câmbio e déficit comercial, foi preparada a primeira avaliação dos acordos de Marrakesh, que promoveram a liberalização do comércio internacional. Durante esse período, a agenda brasileira foi absorvida, entre outros temas, pelas eleições municipais, as privatizações, a mudança no sistema previdenciário. Temas de grande relevância que, no entanto, expeliram do debate público a relação do Brasil com seus parceiros comerciais.

Renegociação das tarifas agrícolas, inclusão da cláusula social, adoção de normas ambientais, aplicação da Lei Heims-Burton e liberalização das tecnologias de informação constituem alguns dos temas em debate. Esta obra certamente contribuirá para a melhor compreensão dos interesses neles envolvidos. Interesses que exigem maior participação da sociedade e profissionalização das negociações.


O Futuro do Comércio Internacional - De Marrakesh a Cingapura
Coordenador: Jacques Marcovitch
FEA-IEA/USP, São Paulo, 1996, 118 páginas

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