Lágrimas no trabalho deveriam ser motivo de ação, diz especialista

A segunda plenária internacional do evento sobre QVT trouxe os resultados da pesquisa realizada por Marleen Becht, da Tilburg University sobre o choro em adultos

Marleen Becht, pesquisadora e docente da Tilburg University (Holanda)
No início ele é sinal de saúde e vigor. Passam-se alguns anos e o que era vitalidade torna-se sinônimo de fraqueza e de desequilíbrio. Do que estamos falando? Do choro. No nascimento, se o bebê não chora ele não é saudável, mas em adultos as lágrimas se tornam sinal de incapacidade em lidar com situações adversas. Nessa dualidade, a professora Marleen Becht, docente da Tilburg University, na Holanda, buscou identificar as causas e conseqüências do choro na idade adulta, em trabalho apresentado na segunda plenária internacional do evento sobre qualidade de vida no trabalho, realizada na FEA/USP.

A pesquisa conduzida por Marleen, batizada como ISAC (International study on adult crying) ou Estudo internacional sobre choro em adultos, levantou dados em 37 países diferentes, inclusive no Brasil. Foram 3855 participantes (2231 mulheres e 1624 homens), com idade média de 22 anos, a maioria deles estudantes de ciências sociais ou de artes. Todos responderam a um questionário composto de cinco partes, que visava descobrir a freqüência, as funções e os fatores motivadores das lágrimas, a tendência em chorar bem como as últimas crises de choro vividas por essas pessoas. No caso das mulheres foi questionado também se o ciclo menstrual era um catalisador dessa crises.

Os dados preliminares da pesquisa demonstram que, em geral, as mulheres tendem a chorar mais freqüentemente, por mais tempo e mais intensamente que os homens. Além disso, também foi constatado que as mulheres tendem ter mais crises de choro durante o período menstrual.

Com relação ao número de vezes em que os entrevistados haviam chorado no último mês, o levantamento mostrou que, no Brasil, enquanto as mulheres admitiram que choram cerca de três vezes ao mês, os homens afirmaram que enfrentaram essa situação apenas um vez no mesmo período. Ainda com relação ao país, Marleen aponta um fato curioso: as mulheres brasileiras são, em todo o universo da pesquisa, as que acreditam choram mais facilmente, apesar de não estarem entre as primeiras colocadas quando foi medida a freqüência efetiva de choro.

A glândula lacrimal produz cerca de 1,6 mililitros de lágrimas por mês, cerca de 500 mililitros ao ano - o equivalente a quatro xícaras de café. A lágrima - formada por água, muco, lipídios, proteínas, magnésio, potássio, enzimas antibacterianas que evitam infecções, entre outros elementos - tem a função de "lavar" os olhos, livrando-os de algum agente que possa estar irritando-os. As lágrimas secretadas por motivos emocionais são chamadas de choro. Essas lágrimas têm concentração de proteína diferente, hormônios e outros elementos químicos diferentes dos produzidos pelas lágrimas "naturais".

"O fluxo lacrimal está relacionado a várias partes do sistema nervoso. A lágrima é uma resposta não só da glândula mas do corpo todo", afirmou a professora "Chorar é típico dos humanos. É uma forma de regressão à infância, porque ao choramos, indicamos que necessitamos cuidado, que buscamos a satisfação de nossas necessidades. Os psicólogos dizem que você está simbolicamente lavando seus estados emocionais", completou.

A expressão emocional do choro pode ser desencadeado por uma série de situações diferentes, tais como perda, separação, união ou até elementos positivos. Contudo, se a pessoa vai ou não chorar depende de fatores pessoais - tais como personalidade, experiências passadas, estado físico -, e fatores sócio-demográficos, como sexo, lugar e o momento ou o lugar onde ocorre o choro, além de elementos emocionais como presença de outros, por exemplo. "As regras sociais também regulam os comportamentos sociais", declarou Marleen.

Choro e trabalho

O trabalho é uma atividade na qual deve-se usar apenas a razão, em que a emoção só atrapalha. Nesse sentido, chorar no trabalho é entendido como sinal de fraqueza e de perda de controle. "Quem verte lágrimas frente à alguma situação adversa no ambiente de trabalho é visto como incapaz de realizar uma função com forte carga emocional", explicou Marleen

Contudo, a professora ressalta que "lágrimas no trabalho deveriam ser motivo de ação", já que os principais motivos geradores das crises de choro são o excesso de críticas, o estresse prolongado ou ainda eventos estressantes pontuais." O choro deveria resultar em um aumento do nível de suporte da equipe ou em uma diminuição de tarefas", disse a pesquisadora. "A inibição da emoção pode ressaltar em problemas de saúde. O choro traz alívio e melhora o humor. Toda pessoa deveria chorar de vez em quando" continuou.

O psicólogo e professor da USP, Ailton Amélio da Silva, completou a afirmação da docente holandesa, ao dizer que "a todo momento estamos apresentando emoções. É inevitável que isso aconteça também no trabalho. Se a pessoa não expressa o que ela sente e pensa fica desmotivada, ressentida". Para Silva é necessário que tenhamos assertividade, ou seja, a capacidade de expressar o que sentimos e pensamos nos momentos necessários. "É uma ingenuidade acreditarmos que podemos dizer tudo o que pensamos. Se eu disser tudo o que penso pode ser catastrófico. Contudo, se eu me omitir eu me anulo e cauterizo os sentimentos."

Além do professor também estiveram presentes na palestra a professora Ana Cristina Limongi França, coordenadora científica da Jornada e coordenador da projetos da FIA, Jurema dos Santos Polycarpo, pscicóloga e membro do grupo Gestão de QVT da USP e Veroni Domhof, diretora de RH do grupo Terra Viva da Holambra.


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Informações: (11) 3818-5908 ou qvt@fia.fea.usp.br