Médico defende que trabalhar com qualidade de vida não é centrar-se nas doenças

No encontro de QVT, o médico René Mendes falou sobre a promoção da saúde no trabalho e Haroldo Torres, da Fundação Sead, sobre desenvolvimento humano

Ao falarmos em qualidade de vida qual palavra vem à nossa mente? Sem dúvida, pensamos logo em saúde. Mas o termo, como o usamos no dia-a-dia, não consegue traduzir todos os aspectos que o conceito de qualidade de vida contempla, segundo René Mendes, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e médico especialista em saúde pública, um dos palestrantes da terceira plenária nacional do evento sobre qualidade de vida no trabalho, realizada no FEA/USP. "Confundiu-se saúde com medicalização, com medicina. Saúde é mais do que isso. É algo necessário para nossa existência, vital também para a qualidade de vida no trabalho", declarou Mendes.

O médico apresentou uma nova definição de saúde, proposta pelo Organização Mundial de Saúde: condição em que um indivíduo ou grupo de indivíduos é capaz de realizar suas aspirações, satisfazer suas necessidades, mudar ou enfrentar o ambiente. "Ou seja, a saúde é um recurso necessário para a vida diária e não um objetivo de vida", enfatizou.

Então, como se consegue saúde? "Promove-se saúde proporcionando-se condições de vida decente, boas condições de trabalho, educação, cultura física, lazer e descanso", afirmou Mendes. Mas, segundo ele, no Brasil há um grande investimento para tratar da doença e não da saúde. "Trabalhar com qualidade de vida não é centrar-se nas doenças, ainda que se tente preveni-las. Por isso, é necessário que se revisem as posturas do programa de promoção da saúde", disse.

Se as condições de trabalho são fatores geradores da qualidade de vida das pessoas, é preciso entender que o conceito de trabalho saudável não é o contrário de trabalho insalubre. "Além de não causar doença o trabalho também pode trazer a saúde", afirmou. Mendes acredita que, para isso, deve-se aplicar conceitos e estratégias da promoção da saúde em geral, mas tomando o trabalho como um fator determinante de saúde ou de doença.

"Se temos a consciência de que as atuais condições de vida no trabalho são inaceitáveis é preciso levar adiante um reposicionamento da promoção de saúde no trabalho, mantendo a prevenção de doenças comuns mas também analisando sinceramente a forma como o trabalho está organizado e, com competência, reestruturando-a", explicou. E concluiu: "não deixe a saúde no ambiente de trabalho apenas por conta do médico."

Paulo Xavier, presidente da Associação Paulista de Administradores de Recursos Humanos (APARH), convidado como debatedor, acrescentou que "o profissional de RH nas empresas não está conscientizado do papel da gestão de qualidade de vida nas organizações. Para ele, "não há investimento em QV das pessoas nas empresas. São atitudes "marketeiras", que não estão introjectadas na filosofia da empresa."
Índice de Desenvolvimento Humano

"Um desafio". Assim Haroldo Torres, pesquisador da Fundação Sead, caraterizou a proposta feita a instituição pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo: produzir indicadores de desenvolvimento humano (IDH) para os municípios, de acordo com as especificidades do estado. As etapas do trabalho produzido pelo Sead - Sistema Estadual de Análise de Dados -, foram expostas por Torres durante a plenária.

O IDH antes utilizado - desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - , tinha variação pequena nos municípios, o que representava baixa capacidade de diferenciação. O objetivo da Assembléia era produzir um indicador calculado com dados administrativos que captasse os fenômenos ocorridos em períodos curtos e que incorporasse variáveis de esforço (ou seja, baseado em dimensões que refletissem as políticas públicas de longo prazo, comparando a situação atual dos municípios com os esforços realizados em administrações anteriores).

Três dimensões guiaram as análises: riqueza, longevidade e escolaridade. Para a primeira delas, foram medidos indicadores como o consumo de energia elétrica no comércio, agricultura e serviços e a remuneração média dos empregados com carteira assinada, por exemplo. Na segunda, foram utilizados índices de mortalidade infantil e de adultos, tanto daqueles com mais de 60 anos quanto daqueles entre 15 e 39 anos - que reflete o grau de violência urbana da cidade -, e de mortalidade no período em torno do parto - que serve como indicador o número de consultas pré-natal e das condições hospitalares do município. A última dimensão, a econômica, mediu a porcentagem de jovens que concluíram o ensino fundamental, bem como a de crianças e jovens alfabetizadas, "a fim de analisar a geração que estará entrando no mercado de trabalho", explica.

Segundo Torres, os resultados preliminares obtidos com o novo indicador mostra que nos municípios-pólos - São Paulo, Santos e Campinas- há uma alta concentração de riqueza com médios ou elevados índices de longevidade e de escolaridade, conforme já era revelado pelo IDH do PNUD.

Contudo, as análises feitas pelo Sead revelaram que as imediações desses municípios ricos (que acompanham o eixo das rodovias Dutra e a Anhanguera), constituem-se como uma região economicamente dinâmica mas com baixos índices sociais. Outra descoberta ocorreu no oeste do Estado, que apareceu com baixos índices de riqueza mas com elevadas taxas de longevidade e de escolaridade, o que o indica certo crescimento da região. "O novo indicador tem mais variabilidade do que o IDH. Ele explicita melhor a heterogeneidade do estado", concluiu o pesquisador.

Um dos debatedores, o professor da FEA/USP Arnaldo Nogueira, ressaltou a importância do trabalho: "É necessário ter parâmetros, critérios para acompanhar a qualidade de vida no Brasil. O Brasil ainda está com sua dívida social elevada. A situação do trabalho, por exemplo, é inaceitável. Poderíamos traçar um caminho mais efetivo para a mudança dessa realidade."

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Informações: (11) 3818-5908 ou qvt@fia.fea.usp.br